Um acidente

         Dirigia minha vida, sem pressa, devagar, ouvindo o som do vento, dos assovios, dos pássaros. Eu nada temia. Na escuridão me encontrava, me confortava, fazia da minha própria presença um lar. 
Fui atrás de trilhas escondidas por entre essa minha natureza tamanha, buracos imensos pude encontrar ao longo do caminho, e flores...eu não achei. Continuava minha busca frenética pela tranquilidade da vida. 
        Até que aconteceu algo que temia: um acidente! Vi meu corpo espatifado no chão, não podia mais ver meu rosto, minhas histórias particulares de um momento só foram embora, e meu sorriso que era só meu havia sido roubado.
      Não espere que realmente eu tenha tido uma visão de minha morte ou que este é um relato poético de uma morte fidedigna. O acidente é figurativo, obviamente, um acidente pra mim seria um amor. Como odeio acidentes (em todos os sentidos possíveis), eu odeio amores. Vivo numa constante luta entre ser uma pessoa que reprime tudo o que é flores contra ser uma pessoa que é totalmente flores. Um antagonismo imediato, um paradoxo.
         Voltando ao acidente, meu sangue escorria no chão, ninguém esteve lá para me socorrer, já não ouvia mais meus gritos, eu só via escuridão. Fui para terra dos mortos. Não havia uma angústia incansável por alguém, eu andava sem pensar em ninguém para trazer conforto, eu estava bem comigo mesma, mas parecia que tinha mais alguém ali do lado. Olhei para todos os cantos daquele cubículo esquisito, um tipo de elevador que te leva para um lugar remoto. Já nem sabia mais meu nome, já nem sabia que havia trocado de vestes, já nem sabia quem eu tinha sido na outra terra.

        Apareceu uma porta de madeira, pintada de vermelha e entrei, me senti em casa ao ver uma grande sala uma mansão da Idade Moderna, um grande tapete cobria o chão, desenhos esculpidos minuciosamente nos cristais, uma carreira de estantes completamente cheias de livros grossos, e sofás confortáveis ao meio, e como não pude observar que aquela sala era enorme? Aliás, tinha pessoas, muitas pessoas. Veio uma senhora até mim e perguntou: "A senhorita é muito jovem para cair nessa desgraça!". Eu tive que rir e indaguei: "Mas por quê? Se aqui parece ser o meu lugar favorito que tanto sonhei! Vai me dizer que esta xícara que a senhora segura não tem chá?". Surpresa pela minha astúcia, logo me ofereceu o chá que estava no bule de porcelana. 
       Meu vestido era pobre, sem adornos, sem flores, sem costura, mas me senti no século XVIII., o que para mim era sublime. Gosto das coisas pacatas que não remetem ao luxo. Parecia um sonho, e gostaria de acreditar que fosse, e não queria acordar tão cedo, isso sim seria uma desgraça. 

- "Senhorita, como foi ao conhecê-lo?", perguntou a mesma senhora do chá. 
- "Como assim? Eu na verdade nem sei onde estou, sou uma peregrina do futuro, parece besteira, coisa de louco, mas eu não sou desses costumes. Eu estava a andar por um caminho em um parque, e de repente eu caí e me vi agoniada de dor, logo depois desapareci na escuridão. Desculpe se pareço uma doente mental, mas é tudo que posso te contar! Espero que confie em mim!"

A senhora teve a decência de rir de minha pessoa, como se fosse uma vingança ao rir dela anteriormente, e logo me disse:

- "Que tolinha! Minha jovem, isso aconteceu com todas nesta sala!"
- "Não entendi minha senhora! Todas são malucas ou o quê?"
- "Somos muito normal! Apenas aconteceu um grave acidente!"
- "Sim, e é isso que não entendo! Por favor, me explique!", já tinha esgotado a paciência. 
- "Oras, as jovens e velhas aqui presentes são aquelas resgatadas por um coração nobre, por um amor infindável, mas que não quiseram para si! Mulheres que conheceram o Amor!"
- "Quer dizer então que todas as mulheres que se apaixonam vem para este lugar?", estava desacreditada.
- "E não foi isso que aconteceu com você? Tem algum outro motivo para você ter vindo para cá?", me indagou surpresa e firmando seus olhos em mim, e continuou - "Esqueceu de um detalhe! Você está aqui porque não aceita este amor que sente, na verdade você o ama, mas o quer muito longe! Coração nobre, você quer livrá-lo da culpa de escolher uma pobre como você!"
- "Ele quem?", indaguei não entendendo quase nada. 
- "O moço do qual você tem por devoção o seu amor! Você caiu aqui porque o amor é um acidente, você não escolhe amar assim de repente, você cai num buraco e se permite ser amada, e ser capturada por um coração nobre de esperança e paz. Você decide agarrar a isso, e some! É tão você quanto antes! Mas antes de morrer de angústia por não aceitar mais viver às custas do amor, você vem para seu refúgio e você escolheu ficar aqui!"
- "Ual! Bela contação de história poética! Agora me belisca para eu acordar!"
- "Ora veja, seu cinismo é tão descabido! Você deveria abrir mais espaço no seu coração!"
- "Quanto insulto, minha senhora! Eu tenho coração e não me apaixonei, eu estive sozinha por anos, e é assim que deverá ser! Não encontrei nenhum homem nobre nesta vida, nem no sonho nem na real vida!"
- "Então por que está aqui, minha jovem?"
- "Talvez seja um sonho, talvez seja os remédios que tenho tomado, talvez seja uma enxaqueca, talvez seja um livro que leio, talvez seja uma vida paralela, ou uma vida passada, um flashback, não sei. Mas o que importa é que minha verdade consiste em não ter me apaixonado tão recentemente!"
- "Vê! Você não sabe, e tem certeza de que não há ninguém para se amar, então você nega o amor oferecido que tanto desfrutou em silêncio!"
- "A senhora está me dizendo coisas vãs! Tem algum modo de mostrar este tal amor esquecido e silencioso?"
- "Mas é claro! Vá lá fora!"
- "O que tem lá fora?"
- "A vida, a real!"
- "Mas aqui é bom, por que vou querer voltar ao meu fracasso?"
- "Vê! Aí está! Você nega voltar, porque não há nada melhor do que estar só!"
- "Ok, minha senhora! Será que tem como eu conversar com outra pessoa que saiba detalhar sobre isso?"
- "Só você pode!"
- "Onde fica a porta pela qual eu entrei?"
- "Logo ali atrás!"
- "E a senhora, o que fazes aqui? Não vai para o mundo real?"
- "Jamais! Meu marido morreu e não tenho mais ninguém!"
- "Sinto muito pela sua perda! Só que a Senhora não sabe que pode ter amor por si mesma, e por aquelas pessoas que a cercam. Já parou pra pensar que amor também se encontra na casa de pessoas que também estão sozinhas como a senhora? Já parou pra pensar que pode amar muito mais do que apenas amou um só ser? Não digo amor Eros, digo amor genuíno! A senhora fica aqui esperando receber moças como eu, elas vão embora resolver suas vidas, e não resolve a sua?"
- "Me permita dizer que já amei os que me cercam, meu tempo vai se esgotando. As pessoas se esqueceram de mim, ou a vida me esqueceu. Eu não estou aflita, eu já fui aflita. Eu fico aqui para ajudar as moças como você para não cometerem o mesmo erro de ficarem aqui! Eu escolhi ficar aqui, porque eu quero a felicidade de vocês, e que não permaneçam no esquecimento. Por isso, vá logo, antes que seja tarde, minha jovem!"
- "Eu vou, mas queria que você fosse junto! Espero que pense bem, e obrigada!"
- "Tudo bem, minha jovem. Vá bem!"

        Acordei em plena manhã de segunda-feira, com uma dor de cabeça que parecia eu ter todas as pessoas do mundo dentro de minha cabeça chacoalhando. Me via levantar, ilesa, sem vestes sem costura. Eu era uma ilha, e nem tinha percebido. O vento que assoviava era solidão que me assolava.           Depois de me arrumar, fui para a rua, e encontrei um moço que estava na ponte em cima do lago, um amigo que recentemente ganhei. Foi o momento que entendi que eu o amava, que eu o conhecia, que era meu coração nobre.
        Não precisava me isolar, eu apenas precisava reconhecer minha negligência. Eu deixei ele lá, e ele não apareceu mais com o mesmo intuito que eu tinha e não sabia. A senhora do chá não havia me dito que o segredo estava em mim e não no moço em quem eu amava. 
     Eu o amava, deixei isso ao vento, ao rio que corria, ao sorriso dele, e fui embora, se ele me amasse, viria novamente. O que eu deveria fazer não era para ser uma canoa parada, ou seja, ficar em cima da ponte ao contemplar ele, eu deveria apenas ir embora com seu sorriso e compartilhar seu sorriso com os outros, e compartilhar o meu amor com os outros. 

Eu fui feliz,  continuo amando, e eu vou livre viajar em outros amores que a vida permite embarcar.

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